Share |

Balanço Debate Dragagens no Sado: consequências e impacto em Sesimbra

O comércio global tem de ser compatibilizado com a salvaguarda dos valores ambientais. A cumplicidade das Câmaras CDU da Costa do Sado neste atropelo é criminosa e cega.

 

Caso o alargamento das acessibilidades do porto de Setúbal se concretize a intensidade do tráfego planeado será tanta que colocará em causa em Sesimbra: a qualidade das águas ao serem contaminadas com dragados que têm pesticidas e nafta e sujeitas a maior risco de derrame dos navios; a qualidade e quantidade da areia nas praias, consumida pelo efeito "sumidouro"; a qualidade do mergulho e dos recifes pela turvação das águas e depósito de contaminados; a contaminação e afugentamento do boto, possível futuro da pesca nesta costa; o desaparecimento da riqueza dos bancos de areia e das pradarinhas marinhas com o enorme e incerto impacto hidrodinâmico de tanto navio e tanto dragado, com consequente desaparecimento da pesca.

De facto, há uma incompatibilidade total entre a mudança que se propõe para o porto de Setúbal e a preservação dos valores naturais do SIC Estuário do Sado e do novo Sítio de Interesse Comunitário Costa do Sado. A falta de cuidado ambiental neste projecto reflecte-se no descuido com que foi apresentado um primeiro TUPEM (Título de Utilização Privativa do Espaço Marítimo) para depositar os dragados na Restinga, foi apresentado um segundo para local de maior profundidade, foi entretanto aprovado o primeiro, mas as autoridades afirmam que não o vão executar. Porquê? Porque ele é totalmente contrário ao dever de conservação que a Directiva Habitats impõe para os Bancos de Areia, mas isso só foi conhecido dos promotores depois de feita a proposta... Já o segundo TUPEM levanta a questão de como controlar a propagação de contaminados num local mais profundo, com hidrodinâmica mais complexa...

O que está em causa é uma mudança total da estratégia de desenvolvimento da região e do seu tecido produtivo, sacrificando tudo ao comércio global. O tráfego marítimo comercial vai aumentar muito mais no porto de Setúbal do que se pensa se o porto for alargado; no entanto, o porto de Setúbal não é necessário para a enorme estratégia comercial global que está planeada, pode manter-se um porto médio com Sines a cumprir com o crescimento necessário e Lisboa a manter as funções que tem.

O tráfego vai intensificar mais do que se pensa por duas razões: a Rota da Seda chinesa, rota de comércio global, identificou Sines como a grande porta atlântida para a Europa, pretendendo-se fazer de Setúbal um apêndice a esta maciça porta (o comércio chinês representa 18% do comércio mundial, a China é o maior parceiro comercial da UE e a UE o segundo da China); a tentativa de transferir para Setúbal outras funções do porto de Lisboa e de Sines: rotas short sea (dentro da UE e com portos em mares com costas europeias); rotas panamax (navios com 300 metros de comprimento, 30 de largura que transportam principalmente cereais; rotas da indústria pesada de Lisboa; rotas RORO (barcos que carregam cargas rolantes, que não precisam de gruas).

Também o tráfico rodoviário vai aumentar pois todos os fluxos do porto de Lisboa, Setúbal e Sines (e eventualmente dum aeroporto na margem sul) terão o apoio da Plataforma Logística do Poceirão, maior plataforma logística rodoferroviária do país que será necessariamente retomada, disponibilizando fluxos para Madrid e Irun.

 

Esta intensificação maciça do tráfego é excessiva para o tamanho do estuário, por mais que façam o porto crescer. Vai trazer poluição sonora e visual, risco de derrames, aumento da deslocação de areias contaminadas, contágio e diminuição das praias, ruína da pesca e morte de espécies.

O triste é que o porto de Setúbal não é estritamente necessário a este grande projecto comercial, poderá ser sacrificado tudo isto sem que faça uma diferença decisiva na estratégia logística e comercial delineada para a região e para o país...